o infinito é igual ao um menos um

Sim, e não.

Coral Michelin
5 min readAug 16, 2020

Ou poderia se chamar 1–1=∞. A vida eterna de um lado; e o vazio eterno do outro = infinito. Coisas que não existem uma sem a outra, mas que nem por isso são pólos. São complementos. Yin e Yang. Todo sim comporta algum não; todo não, em alguma medida, tem sim.

Veja, desde as últimas fatídicas eleições (cujo resultado vai para seu inacreditáaaaavel terceiro ano!!! sur-re-al), algumas palavras e termos caíram no vocabulário popular: golden shower, cloroquina e kafta, por exemplo. Mas teve uma que, esses dias, me chamou atenção a ponto de catalisar esse escrito: polarização.

Ocorre que, de acordo com o sincronário das 13 luas, estamos no ano da Tormenta, que se caracteriza pela energia do desafio. Ultrapassar a polarização parece ser o desafio da vez. Então o objetivo desse período regido pela tormenta é irmos além dos pólos opostos, para conseguirmos equilibrar as coisas. Todas as coisas da vida.

Eu perco o chão
Eu não acho as palavras
Eu ando tão triste, eu ando pela sala
Eu perco a hora… eu chego no fim
eu deixo a porta aberta
eu não moro mais em mim*

Beta testers

A polarização, da forma como está posta, é entendida como dualidade; entendida como “ou”, quando, em realidade, é sempre “e”. Você, muito provavelmente, assim como eu (afora nossos lampejos de lucidez), categoriza a realidade vivida como sendo uma sucessão de “ous”. É macho ou é fêmea. É esquerda ou direita. Do bem… ou do mal.

Esse entendimento dual está claramente equivocado — afinal, hoje sabemos que existem 50 tons de cinza entre P e B. Mas me diga, Pequeno Gafanhoto, quantos de nós têm a consciência da riqueza dos meandros, dos tons, das peles, dos cheiros e de tudo mais que forma a infinitude da vida? E que sabe isso pelos olhos da infinitude da vida? Como é som quando se é sapo? Como é sabor quando se é ipê? Quantos de nós, humanos, vêem a complexidade? Creio sermos capazes de identificar muito pouco, de todas matizes possíveis da vida, e que a maioria ainda interpreta o real partindo de uma matriz de pensamento extremamente binária.

Ao mesmo tempo, não podemos deixar de observar que, como humanidade, estamos evoluindo. Estamos evoluindo! Estamos despertando, questionando, respondendo, registrando, hackeando, aprendendo. Nosso próximo passo é colocar em prática alternativas para o que não deu certo até agora (é aqui que entram os designers do futuro — oi, turupom?). O que eu quero com esse parágrafo é propor uma premissa: que nós, humanidade, somos um eterno beta teste, pois somos simplesmente a vida que busca solucionar as próprias charadas, aprendendo com suas tentativas.

Pois bem, se aceitares essa premissa como verdadeira, te trago uma hipótese. Impulsionada pelo pensamento racional e organizada em uma estrutura patriarcal, a humanidade acreditou que poderia explicar, categorizar e consequentemente dominar, a realidade por meio da lógica dual. De tal forma que todos fenômenos da vida poderiam ser encaixados em uma, de apenas duas opções, dois pólos opostos.

E, bom, lá nos idos passados se pôs a humanidade a testar a hipótese, vida após vida: como será se relacionar pela dualidade? Como será a estrutura das famílias duais? Adão e Eva?— Vamos checar! — Como será trabalhar, na dualidade? Como será a estrutura das organizações empresariais duais? Ou você manda, ou é comandado? — Vamos testar! E educar?! A educação dual, vamos fazer um exercício: ligue o pólo A ao pólo B, o que você tem? Uma reta! Mesmo que meio curva, uma reta! Veja! Uma educação que ensina linhas retas. Eu produzo, eu consumo, eu descarto. — Venham, vamos checar!

E assim se passaram sucessões de testes. Séculos. Em que alguns se acreditaram vencedores e, outros, perdedores.

Interessante isso, não? Veja, Pequeno Gafanhoto, e se formos realmente cobaias desse grande experimento chamado vida, o que podemos concluir de nossa hipótese? Arrisco, com a convicção daquilo que me faz eu, hoje, dizer que: a realidade não pode ser decodificada em opostos. Pois sim, existem pólos — mas eles são apenas os extremos. Eles se mexem, se alargam, se estreitam, se bifurcam, se mesclam, se territorializam e entortam e...

Sim, existem pólos. E o valor que eles têm é o mesmo que a metade do caminho, ou qualquer outro ponto entre um lado e outro. Entre Mulher e Homem, o infinito.

De um lado,
eu gosto de opostos
e exponho o meu modo, me mostro*

1–1= ∞

Em resumo, arrisco concluir (em nome de toda humanidade testando nossa hipótese fictícia) que Yin e Yang estavam certos: existe branco no preto e preto no branco. E, se isso for verdade, trago aqui um par de opostos para nosso exercício filosófico: o indivíduo e a massa. Um não existe sem o outro existir.

Engraçado ver que não entendemos, até agora, o paradoxo: nos vendem a ideia do indivíduo-que-pode-tudo ao mesmo tempo que dizem sermos apenas um impotente nada na multidão. Você precisa afirmar constantemente sua individualidade, em sua trajetória self made man. O mito, o herói, o diferentão, o influencer, o expert, o personnalité. Ou não, só alguém com uma conta no Instagram que usa pra mostrar a coleção de bolacha de chopp e que se acha a pessoa mais normal do planeta — “Um cara simples”, dizia no Tinder... Ainda assim, indivíduo. Você pode não querer, mas é essa a narrativa: você está sempre competindo e precisa sempre ser o melhor; você é o senhor da sua liberdade.

Porém, diante da massa, você nada pode. Oh, indivíduo! Ajude a salvar a biodiversidade necessária para a vida na Terra existir, reduzindo seu consumo e revendo hábitos danosos! — Ah, não, mal’aê, minha ação individual não significa nada, eu sou só um, em uma multidão.

Pois, conveniente a visão dual nessas horas: a responsabilidade nunca é do indivíduo, do “eu”, ela sempre é transferida para a massa ou terceirizada para um ser onipotente e onipresente qualquer. Veja, responsabilidade não é um pólo, ela existe para ambos lados da moeda. Então, a hora que você estiver sendo chamado à ação, assuma sua parcela. Assuma os 50 tons de cinza, todas letras LGBTQI, assuma seu lado macho e seu lado fêmea, seu deus e seu demônio, o santo e o pecador, o leão e o cordeiro, assuma o que você esconde e questione o que você mostra. Se olhe no espelho sem maquiagem. Assuma.

Você não é apenas “um”. Você é um apenas porque também é todos. Jogue-se no vácuo para existir: vá além dos pólos. Entre Indivíduo e Massa, o infinito. Entre Você e Multidão, todos nós. Estamos todos juntos. Somos todos os dois lados da moeda, somos todos um.

Coral Michelin,
Dia 21 da Lua Magnética, no ano da Tormenta.

(*) Adriana Calcanhotto, “Esquadros”

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Coral Michelin

Designer ecossistêmica, Mestre e doutoranda em Design. Pesquisadora em inovação, ecologia e métodos de design. Ativista da ecologia, poeta e ecofeminista.